Casal centenário de Torres conta os segredos de 81 anos de união

Escondido na pacata zona rural de Torres, a três quilômetros da Estrada do Mar, em uma casa branca de grandes janelas de madeira marrom, vive um amor centenário. João Manoel Gonçalves veio ao mundo em 13 de dezembro de 1914. Sua mulher, Serafina Melo Gonçalves, nasceu em 12 de dezembro de 1915. Ele tem 101 anos. Ela, cem. Os dois agricultores estão casados há mais de 81 anos e vivem juntos até hoje próximo ao parque estadual de Itapeva.

— Nunca pensei que viveríamos tanto. Me admiro porque, além da idade, temos saúde — conta, espantado, seu João.

Serafina, ou Finoca, como é conhecida na região, é uma senhora baixa, de corpo curvado e memória afiada, que, apesar da avançada idade, gosta de cozinhar e receber visitas dos familiares. É neta de um dos primeiros colonos que se estabeleceu na área da Itapeva, no século 19. 

Os olhos azuis já enfrentam alguma dificuldade para enxergar, mas foram eles que guiaram Finoca na hora de aprender a costurar, a cozinhar e a plantar.

— Tudo que meus olhos viam minhas mãos faziam — explica a rouca voz da senhora.

A audição também falha em alguns momentos, mas nada que possa impedir o relato detalhado de tudo que já viveu. A idosa de pensamento lúcido teve nove filhos. Dois "já foram levados por Deus", conforme conta. Para alimentar a família humilde na roça, aprendeu centenas de receitas. Sua cabeça parece guardar uma enciclopédia gastronômica: formas de preparo de pães, molhos, peixes e feijoada são ditadas com precisão — e experiência — de chef.

Seu João também nasceu na região, mas viveu parte da infância na Praia Grande. O idoso calvo de olhos verdes tem as mãos calejadas pela terra: trabalhou na lavoura até os 70 anos. Por causa do pouco cabelo, sempre foi adepto do chapéu — adorno que usa até hoje, sempre nas cores cinza, azul ou preto.

Além de mexer na terra, também foi pescador e morou sozinho em Porto Alegre nos anos 1950 para trabalhar na Carris como cobrador de bonde. Mas a estada na Capital durou pouco tempo — a saudade da mulher e da família o fez retornar rapidamente ao Litoral.

Da vizinhança para o altar

Os olhares e os destinos de João e Serafina se cruzaram pela primeira vez em 1927. Ele tinha 14 anos, e, após um período vivendo na Praia Grande, acabava de retornar com os pais e os irmãos para Itapeva. A menina de longos cabelos loiros tinha 13 anos quando notou a presença do vizinho, de quem se tornou muito próxima.

A convivência virou pedido de casamento. Em março de 1934, o casal trocou alianças na igreja do bairro Águas Claras. Finoca trajava um vestido branco que combinava com seu véu e grinalda. João estava de chapéu e terno azul marinho e gravata preta.

— Ele nunca teve muito cabelo, mas era lindo. Casei com o homem mais bonito de Itapeva — conta, rindo, a dona Serafina.

Ali, na região em que nasceram, construíram as casas onde vive boa parte dos familiares atualmente. No pedaço de terra plantaram mandioca, milho, batata e feijão e criaram diversos animais. Trabalharam na roça e no moinho de fazer farinha, herança da família de Serafina.

— Isso daqui era tudo mato. Lembro-me de ir a Torres com o carro de boi para buscar mantimentos que não tínhamos aqui — recorda seu João.

A longevidade do amor gerou frutos e uma robusta árvore genealógica: são sete filhos, 37 netos, 74 bisnetos e 24 tataranetos.

O segredo da longevidade

O poder de enganar o tempo parece ser genético na linhagem Melo Gonçalves. Breno, um dos filhos mais velhos do casal, tem 71 anos e aparenta ter 50 — o aspecto jovial e o corpo robusto fazem qualquer um desconfiar da data na sua carteira de identidade.

— Pela genética da família, nós, as noras, sabemos que nunca seremos viúvas — brinca Solange Melo, casada com um dos filhos do casal.

João e Serafina afirmam que a dieta de frutas e verduras e a rotina de trabalho duro durante grande parte da vida contribuíram para chegar com saúde aos cem anos. Mas o essencial está em uma coisa só: o amor.

— A receita é o carinho que sentimos um pelo outro. Eu amo ele e vou amá-lo até o resto da minha vida — afirma Serafina, convicta.

Para quem se pergunta como é possível conviver ao lado de uma pessoa por mais de 80 anos, seu João explica a fórmula para rotina e paixão conviverem da melhor forma:

— Apesar de toda essa idade, ainda nos amamos. Já tivemos várias discussões e brigas, mas o importante é ter respeito, capricho com o outro, além de paciência e carinho. Assim, quanto mais velho se fica, mais cresce o amor.

Para ver mais fotos acesse Aqui

Fonte: ZH